HISTÓRICO
A caça aos predadores naturais é documentada desde os tempos da colonização do Novo Mundo. Documentos datados de 1535 comprovam a existência, em um navio Francês apreendido pela Coroa portuguesa, de 6.000 (seis mil) peles de “Leopardo”, muito provavelmente exemplares abatidos de onça-pintada (Panthera onca), além de muitos outros representantes da Fauna brasileira, como papagaios, por exemplo.
A caça aos grandes predadores já era exercida por comunidades indígenas como uma forma de se atingir a maioridade. Entre os Tupis, o jovem somente era considerado adulto quando conseguia fazer prisioneiros nas tribos inimigas ou quando abatia uma onça.
O número de peles encontradas no navio de origem francesa demonstra o fascínio que as mesmas exerciam nas populações européias.
O comércio de peles foi o precursor de um declínio marcante nas populações originais dos nossos felinos.
TÉCNICAS DE CAÇA:
Utilizando-se de armas primitivas como o Tacape indígena até as armas de fogo mais modernas, os caçadores de todas as regiões do Brasil, desenvolveram muitas técnicas e táticas de caça.
CAÇA COM TACAPE – Muito difundida entre os indígenas brasileiros, o tacape é uma arma de madeira também chamada de borduna com a qual os índios abatiam as onças batendo fortemente em sua cabeça, quebrando o crânio do animal.
CAÇA COM ZAGAIA – A zagaia era uma espécie de lança de ferro e foi muito utilizada pelos onceiros, caçadores especializados em abater onças. O caçador acuava a onça e esperava que esta saltasse sobre ele para, com a zagaia, espetar o peito do animal e contê-lo até que este não mais se debatesse.
CAÇA DE ESPERA – Utilizando-se de armas de fogo, o caçador faz uma espera, geralmente no alto das árvores, deixando no chão uma possível presa (cabrito, cachorro, porco, etc) para atrair a onça. Ou então, localiza a carcaça de um animal abatido pelo predador e arma a sua espera ali próximo pois é sabido que as onças não comem tudo de uma vez e sempre retornam ao local onde deixaram a carcaça para consumar a refeição, sendo este hábito muitas vezes fatal para o animal.
CAÇA NO PIO – É na realidade uma variação da caça de espera, onde a onça é atraída por um instrumento de bambu que, quando soprado, emite um ruído muito similar ao de um macho, o que faz com que o macho residente venha imediatamente expulsar o provável invasor.
CAÇA DE PERSEGUIÇÃO – Com a utilização de cães, o felino é forçado, muitas vezes depois de horas ou até mesmo dias de perseguição, a acuar-se no alto de árvores onde estaria a salvo dos cães, mas torna-se presa fácil para a mira das armas daqueles que o perseguem.
ENVENENAMENTO – Sabendo do hábito dos felinos de retornar à carcaça, as pessoas utilizam venenos poderosíssimos para realizar um “controle” de predadores naturais em suas propriedades. Estes venenos são adquiridos facilmente em lojas de produtos agropecuários e, apesar da destinação de uso em lavouras, são largamente utilizados com esta finalidade, dificultando assim a ação dos órgãos fiscalizadores sobre os “caçadores”.
ARMADILHAS OU GATOEIRAS – Mais utilizada para capturar felinos de pequeno porte, as gatoeiras são largamente difundidas, principalmente com relação àqueles animais que se habituam a predar aves domésticas. Consiste basicamente de uma caixa com dois compartimentos onde o primeiro é reservado ao felino e o segundo à isca utilizada, geralmente galinhas e frangos. No momento em que tenta capturar a isca, o felino é obrigado a entrar no primeiro compartimento e pisa em uma plataforma que desarma a porta, ficando preso até que o caçador possa abatê-lo sem maiores dificuldades.
MOTIVOS QUE FOMENTARAM E FOMENTAM A CAÇA:
Inicialmente a caça de grandes felinos tinha propósitos culturais, como o apresentado pelos índios, onde era uma forma de provar a coragem dos jovens guerreiros no rito de passagem para a idade adulta.
Com a chegada do homem branco, o grande fomentador da caça era o comércio de peles, largamente difundido até tempos muito recentes. As espécies que mais sofreram com este tipo de comércio foram, sem dúvida alguma, aquelas que apresentavam pintas ou manchas na pele, como a Onça-pintada (Panthera onca), a Jaguatirica (Leopardus pardalis), o Maracajá (Leopardus wiedii) e o Gato do Mato Pequeno (Leopardus tigrinus).
A caça esportiva também era muito difundida no interior do país, atraindo pessoas de países distantes na busca de um troféu de caça, sendo que o mais cobiçado era o maior predador das Américas.
Um motivo que ainda é utilizado como justificativa para a prática da caça nos dias de hoje, é a predação exercida sobre os animais domésticos. Apesar de proibida por lei, a caça aos felinos, grandes ou pequenos, é largamente exercida pelo interior do país onde as populações remanescentes lutam por espaço para conviver com animais domésticos, tais como bovinos, caprinos e eqüinos.
Muitos animais caçados pela onça são também os preferidos pelos caçadores, o que faz com que a população de presas em potencial sofra uma diminuição em sua densidade. Assim, os predadores buscam novas alternativas de alimentos, muitas vezes, os animais criados pelo próprio homem.
A partir do momento em que os animais domésticos são perseguidos pelos predadores, este passam a sofrer perseguição pelo homem pois são vistos como prejuízo em potencial. Cria-se, desta maneira, um círculo vicioso e macabro para o futuro das populações que vem resistindo há séculos de perseguição.
O principal motivo de caça a felinos atualmente está diretamente relacionado à predação de animais domésticos, sendo que muitas vezes é necessário o abate de vários animais até que se consiga matar aquele que realmente esteja causando problemas aos fazendeiros.
O futuro da população de felinos na natureza é realmente crítico se levarmos em conta a forte pressão que estes vem sofrendo com os constantes desmatamentos, queimadas e a enorme perseguição que sofrem por parte de caçadores que ainda insistem no desprezível e covarde hábito para justificar a manutenção de seus animais domésticos - que, diga-se de passagem, ainda são criados dentro de modelos adotados na época do Brasil colônia, sem um mínimo de cuidados e a ausência total de técnicas modernas de criação, que muito viriam a minimizar as perdas por predação.
Daniel Rios de Magalhães Borges - biólogo - equipe NEX